A intimidação das crianças pelos colegas arrasa a autoestima e pode trazer problemas de aprendizado
Por Fernanda Colavitti
Ganhar apelidos maldosos e tornar-se alvo de gozação dos colegas a propósito de algum aspecto da aparência, do jeito de falar ou do comportamento são dificuldades pelas quais qualquer criança pode passar durante a vida escolar. Ou ainda levar um beliscão ou um cascudo, eventualmente, e até voltar para casa com um brinquedo quebrado por alguém da mesma idade. Nada mais natural, já que são meninos e meninas com temperamentos e personalidades diferentes convivendo diariamente em um mesmo espaço, numa fase da vida em que as regras da boa convivência ainda se estão sedimentando. Entretanto, não raras vezes essas atitudes podem descambar para a hostilidade sistemática e conduzir seu filho ao isolamento dentro da turma e à exclusão de atividades recreativas. Há casos em que a agressão física, em geral por alguém mais forte, passa a ser frequente. Espalham-se rumores e até ameaças e roubo se verificam no convívio entre garotos e garotas no colégio.
É uma situação para a qual muitos pais não estão atentos, mas que pode infernizar a vida do filho, afetar seu relacionamento familiar e causar entraves no aprendizado, segundo o pediatra e psiquiatra infantil Christian Gauderer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "A criança que não consegue fazer parte de um grupo pode passar por sérios problemas emocionais", adverte Gauderer, atualmente nos Estados Unidos, onde faz pesquisas na Universidade de Hackensack. A primeira dificuldade que os pais têm é identificar a ocorrência das pressões, já que a maioria das crianças reluta em falar abertamente sobre o assunto. Isso porque experimentam um sentimento de vergonha por estar sofrendo chacotas ou apanhando na escola, ou ainda por temer retaliações dos agressores. "Um dos sinais mais evidentes é a queda de rendimento escolar e a resistência em ir à aula", explica a especialista em violência infantil Cacilda Paranhos, do Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo.
De uma maneira geral, o conselho mais repetido entre diversos especialistas entrevistados é procurar elevar a autoestima da criança em casa, ressaltando sempre suas qualidades e capacidades (veja quadro). Antes de tratar o filho como o coitadinho da história, no entanto, é preciso checar se não é o próprio comportamento da suposta vítima o motivo da rejeição entre os colegas. "A ausência de limites e o excesso de mimos em casa podem fazer com que a criança fique egoísta, chata, agressiva, enfim, não siga as regras básicas de convivência em grupo", alerta a psicóloga Ceres Alves de Araújo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A falta de entrosamento pode ter diversas origens, por isso é importante o trabalho conjunto entre pais e professores para a identificação e solução do problema. Algumas escolas promovem atividades e jogos em grupo, com o objetivo de reforçar a importância da socialização e do respeito mútuo entre as crianças, além de manter a fiscalização nos horários de intervalo para identificar os alunos que estão sempre sozinhos ou se metendo em confusões. "A escola tem obrigação de alertar os pais para os problemas enfrentados pelos filhos", diz a psicopedagoga Anna Paula Costa, orientadora pedagógica do Pitágoras, de Belo Horizonte.
Se no Brasil iniciativas como essas parecem isoladas, na Inglaterra e nos EUA o assunto ganha foros de debate nacional. Em inglês, a atitude é conhecida por bullying, algo como intimidar, atormentar, termo sem uma tradução exata em português. Nos dois países, há livros publicados, entidades especializadas na orientação para os pais e na defesa das crianças, bem como normas que obrigam as escolas a oferecer uma política clara de providências contra o bullying. Como sempre ocorre quando um tema ganha essa dimensão, aparecem abordagens fora de foco.
Na Inglaterra, por exemplo, o suicídio do garoto Jevan Richardson, de 10 anos, inflamou os ânimos e foi atribuído a problemas de socialização na escola. Nos EUA, o bullying chegou até a ser apontado como o estopim de episódios como a morte de treze alunos da escola Columbine, na cidade americana de Littleton, em 1999. Exageros à parte, a experiência de lá é claro que ajuda a clarear o caminho para quem se interessa em resolver a situação.
Foi divulgada na respeitada revista científica da Associação Médica Americana o resultado de uma ampla pesquisa com nada menos que 15.686 estudantes sobre o tema, centrada nos pré-adolescentes e nos adolescentes. "A ocorrência é vigorosa e, dadas as consequências negativas de longo prazo para eles, a questão exige atenção séria", conclui o relatório da pesquisa. Para essa faixa etária, comprovou-se que, no sexo masculino, a reclamação maior é de agressão física. Já entre as adolescentes, são mais correntes as agressões verbais e a disseminação de boatos sobre o comportamento sexual das colegas.
As escolas encaram o cyberbullying
A variante de bullying que tem dado mais trabalho para escolas, pais e estudantes é o virtual, também chamado de cyberbullying. “Na faixa dos 13, 14 anos, a mais crítica de todas, é frequente o desrespeito pela internet. Os alunos criam comunidades no Orkut, entram de forma anônima ou não e falam mal de outros”, diz Fábio Aidar, vice-diretor-geral do colégio do Santa Cruz, em São Paulo. “Para prevenir, fazemos um trabalho verbal, orientando os alunos para o bom uso da internet e lembrando a importância do respeito ao próximo.”
De modo geral, os colégios particulares vetam o uso de celular em sala de aula - o que evita que se filme alguma cena constrangedora para depois jogá-la na web, um tipo possível de cyberbullying. Em algumas instituições, ele é liberado no recreio e nos intervalos, ou quando há uma ligação importante a ser feita pelo aluno (desde que ele avise antes a direção da escola). Em algumas redes estaduais, como na do Paraná, há orientação para as escolas proíbam o celular, mas cabe a cada uma vetar concretamente ou não.
Sufocar completamente o cyberbullying é, porém, uma missão complexa, porque muitas das agressões virtuais são feitas pelos alunos a partir de suas casas. “Hoje, a nossa preocupação maior é com o que os alunos fazem fora da escola: as festas, as drogas e a internet”, reconhece o psicólogo Cristiano Braune Wiik, coordenador pedagógico do 1º ano do ensino médio do São Luís. Aqui, mais uma vez, as escolas centram fogo na prevenção. “Nós monitoramos a navegação no colégio e orientamos as família a fazê-lo em casa, ficando ao lado do aluno e verificando seus hábitos on-line”, afirma Nívea Fabrício, do Graphein, chamando atenção para o outro lado do combate ao bullying: a ação dos pais.
Xingamentos eletrônicos – Frederico, de 12 anos, identificado aqui por nome fictício, chegou a deixar três escolas por envolvimento em brigas. Em suas próprias palavras, estava sempre disposto a entrar em combate. “Quando me xingavam, eu já partia para a briga”, lembra. Era um agressor, mas também vítima do bullying – visto como vilão, acabou sendo perseguido e se tornando o bode expiatório da turma.
Ao lado de colegas de um de seus colégios anteriores, participou de uma comunidade na rede social Orkut que era um exemplo claro de bullying virtual: “Eu odeio a Gisela” – outro nome fictício. A página, que chegou a reunir 120 participantes, propunha uma enquete em que os visitantes podiam escolher uma maneira de ofender Gisela. “Burra”, “escrota” e “tonta” eram os adjetivos mais leves.
Transferido para o colégio Graphein, especializado em estudantes com dificuldades de adaptação, Frederico começou a deixar para trás as práticas. Mais calmo e sociável, é considerado um jovem em “reabilitação”.
Fontes:
VEJA on-line
VEJA.com
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